Madeireiros ilegais lucram com projetos de crédito de carbono na Amazônia
Empresas de todo o mundo investiram centenas de milhões de dólares em projetos de preservação ambiental no Brasil destinados a proteger a floresta amazônica em troca de créditos de carbono para compensar suas emissões.
A Reuters descobriu que muitos desses projetos estão beneficiando beneficiando pessoas e empresas que foram autuadas pelas autoridades brasileiras por destruírem a floresta tropical.
Repórteres analisaram 36 projetos de preservação na Amazônia brasileira que oferecem compensações voluntárias de carbono nos maiores registros do mercado global. Pelo menos 24 deles envolviam proprietários de terras, desenvolvedores ou empresas florestais que foram punidos pelo Ibama por envolvimento com desmatamento ilegal, descobriu a Reuters.
As infrações variaram desde a destruição da floresta tropical sem autorização até o transporte de árvores derrubadas sem licenças válidas e a inserção de informações falsas em um sistema governamental de controle de madeira. Autoridades do governo e especialistas disseram que essas infrações refletem a variedade de papéis no comércio ilegal de madeira que devora a floresta tropical.
Em 20 dos projetos de conservação, segundo a Reuters, o Ibama multou os principais participantes por desmatamento antes que eles fossem listados em um registro de crédito de carbono. Em sete desses casos, as autuações por desmatamento ilegal aplicadas aos participantes dos projetos continuaram após o registro.
“É um fracasso de toda a ideia”, disse Raoni Rajão, que dirigiu o programa de combate ao desmatamento do Ministério do Meio Ambiente até dezembro. Ao pagar pessoas com um histórico de violação da legislação ambiental, disse ele, o mercado de carbono pode estar financiando grupos envolvidos em desmatamento ilegal.
“Eles podem estar reduzindo o desmatamento em um lugar, mas aumentando as emissões em outro lugar com esses mesmos recursos”, disse Rajão, atualmente professor de política ambiental na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
O Brasil cobra multas para fazer cumprir as leis que impõem limites rígidos ao desmatamento desde 2008 na Amazônia, a maior floresta tropical do mundo, que perdeu cerca de um quinto de sua cobertura original de árvores no último meio século. Cientistas alertam que um desmatamento maior poderia liberar quantidades catastróficas de dióxido de carbono, que aquece o planeta, acelerando a mudança climática.
Isso fez com que a Amazônia se tornasse uma parte importante do mercado voluntário de carbono, que movimentou US$7,6 bilhões globalmente nos últimos cinco anos, de acordo com a AlliedOffsets, empresa que acompanha o mercado.
Nesse mercado, os projetos que demonstram estar reduzindo as emissões de gases de efeito estufa — por exemplo, evitando o desmatamento em partes da floresta tropical — podem gerar créditos de carbono, cada um equivalente a uma tonelada de dióxido de carbono economizada. Os poluidores podem, então, comprar voluntariamente os créditos de carbono para compensar suas próprias emissões.
Os árbitros que estabelecem os padrões nesse mercado global são empresas de credenciamento, como a Verra, uma companhia sem fins lucrativos que é o maior registro de créditos de carbono do mundo, e sua rival colombiana, a Cercarbono. Elas administram sistemas que certificam se um projeto está reduzindo as emissões conforme prometido.
A Reuters examinou milhares de páginas de documentos relacionados aos 36 projetos de preservação na Amazônia brasileira que haviam sido certificados pela Verra ou pela Cercarbono no início deste ano. Ambos fornecem registros públicos dos projetos, sua cartografia e créditos emitidos. Os repórteres identificaram os principais participantes e os compararam com o banco de dados de autuações do Ibama.
No caso de cinco projetos, o Ibama havia responsabilizado seus principais participantes pela extração ilegal de madeira dentro dos limites de seus próprios projetos de conservação, e não em outro lugar.
No entanto, a Reuters não encontrou evidências de que algum dos projetos individuais de crédito de carbono esteja deixando de cumprir suas promessas de reduzir o desmatamento a partir de uma linha de base projetada.
Diante das descobertas, um porta-voz da Verra disse que o registro de crédito “trata com seriedade todas as alegações de atividades ilegais relacionadas a um projeto registrado em um de nossos programas” e que conduziria uma revisão de todos os projetos sinalizados na análise da Reuters.
A Cercarbono disse que abriu uma investigação formal dos projetos sinalizados pela Reuters envolvendo qualquer pessoa com um histórico de desmatamento ilegal para entender as possíveis implicações.
“Não há nenhuma indicação de que a integridade dos projetos a que você se referiu tenha sido comprometida”, disse um porta-voz da Cercarbono.
Os compradores de créditos dos projetos identificados pela Reuters incluem multinacionais como a fabricante de aviões norte-americana Boeing, a empresa de telecomunicações espanhola Telefónica e a produtora de petróleo colombiana Ecopetrol. Os compradores geralmente contam com empresas de credenciamento para o controle de qualidade.
A Boeing disse que adquiriu compensações de carbono que atendem a padrões científicos amplamente reconhecidos. A Telefónica disse que faz parte de um grupo de trabalho corporativo que visa fortalecer a integridade do mercado voluntário de créditos de carbono. A Ecopetrol não quis comentar.
O Ministério do Meio Ambiente do Brasil, ao qual o Ibama está vinculado, disse que os dados de fiscalização do órgão oferecem um registro público confiável de infrações ambientais, que “podem e devem” ser usados para verificar a eficácia dos projetos de conservação que vendem créditos de carbono.
Fonte: UOL