Como a corrida ajuda na ansiedade, segundo a ciência

Quem convive com ansiedade já ouviu conselhos como dormir bem, cuidar da alimentação e se exercitar.

Entre essas recomendações, a corrida se destaca: não é apenas um treino para o corpo, mas também um aliado poderoso da mente, e a ciência explica por quê.

Passar pelos primeiros quilômetros de corrida — ou até pelos primeiros minutos, dependendo da sua experiência — não é fácil: o corpo reclama, o coração dispara, a respiração fica curta, as pernas pesam.

Enquanto isso, o organismo trabalha: uma série de reações fisiológicas e psicológicas entram em ação, liberando substâncias que fazem com que a recompensa valha a pena, segundo pesquisadores.

Um dos levantamentos mais amplos já realizados sobre o tema, a revisão “A Scoping Review of the Relationship between Running and Mental Health” (em português, “Uma revisão exploratória da relação entre corrida e saúde mental”), analisou 116 estudos sobre corrida e saúde mental publicados entre 1970 e 2019.

O trabalho concluiu que sessões de corrida — mesmo curtas, entre 10 e 60 minutos — estão associadas à melhora do humor, da ansiedade e dos sintomas depressivos.

Os autores destacam que tanto a corrida recreativa quanto treinos regulares têm potencial de reduzir estresse e aumentar o bem-estar psicológico, embora níveis muito altos de prática (como em maratonistas ou corredores compulsivos) possam gerar efeitos negativos.

Durante a corrida, o corpo e o cérebro entram em ação de formas complexas, liberando substâncias químicas que ajudam a reduzir a ansiedade e promovem sensação de prazer e bem-estar.

De acordo com Marco Túlio de Mello, professor titular do Departamento de Esportes da UFMG, uma das primeiras substâncias liberadas é a beta-endorfina.

“A beta-endorfina atua principalmente na redução da dor, ajudando a diminuir impactos negativos, como microlesões que podem ocorrer durante o exercício. Mas muitas pessoas acreditam que a sensação de prazer vem diretamente dela. Na verdade, ela funciona como um gatilho para a liberação de dopamina, neurotransmissor responsável pela sensação de prazer e satisfação”, explica.

É a dopamina que realmente gera a recompensa sentida durante e após a corrida — e quanto mais a pessoa gosta de correr, mais intenso e prazeroso é esse efeito.

Outro aspecto importante, destaca Ricardo Mario Arida professor do departamento de Fisiologia da Unifesp, é que durante um esforço contínuo, como a corrida, há liberação de noradrenalina, serotonina e dopamina.

“Esses neurotransmissores regulam o funcionamento do sistema nervoso. Em pessoas com ansiedade ou depressão, eles estão alterados; o exercício ajuda a modulá-los e a melhorar os sintomas.”

Na prática, isso significa que o corpo passa a produzir, de forma natural, substâncias que ajudam a estabilizar o humor e reduzir a tensão. A serotonina, por exemplo, está ligada à sensação de bem-estar e equilíbrio emocional; a dopamina reforça a motivação e o prazer; e a noradrenalina melhora a atenção e a disposição. Quando esses níveis se equilibram, o cérebro responde com menos sinais de ansiedade e um humor mais estável.

O professor acrescenta que mesmo uma ou duas sessões de exercício já podem alterar o estado de humor, e a prática regular prolonga esses efeitos, tornando-os mais duradouros.

Além dos neurotransmissores, outros sistemas entram em cena.

O sistema opioide, que libera endorfinas, atua tanto no sistema nervoso central quanto na periferia — reduzindo a sensação de dor, aliviando tensões musculares e promovendo uma sensação geral de conforto e bem-estar.

Já o sistema endocanabinoide, formado por receptores espalhados pelo cérebro e pelo corpo, também é ativado durante a corrida. Ele ajuda a regular o humor, o apetite e o estresse, contribuindo para sensações de relaxamento e calma.

Ambos trabalham em conjunto para gerar o chamado “euforia do corredor”, aquela leveza e tranquilidade que muitas pessoas descrevem depois de correr.

É por conta da produção e liberação dessas substâncias que atividades aeróbicas de baixa a moderada intensidade e longa duração — como corrida, ciclismo, caminhada ou natação — são particularmente eficazes para liberar essas substâncias e reduzir níveis de cortisol, o hormônio ligado ao estresse.

Mas a corrida ser uma opção tão recomendada está no fato de que costuma ser bastante acessível, conforme explica a psicóloga do esporte Anna Vitória Renaux, da Confederação Brasileira de Atletismo.

“É um esporte pouco técnico. Diferente da natação, em que é preciso aprender a respirar e coordenar os movimentos, ou do tênis, por exemplo, que exige fundamentos e prática, correr é algo natural e instintivo. A gente começa a andar, acelera um pouco e, de repente, está correndo.”

Segundo ela, isso facilita a adesão e faz com que a pessoa perceba resultados de forma rápida. “Basta uma roupa confortável, um tênis e um espaço livre. Não tem ganhador ou perdedor. Se você corre sozinha, sempre sai ganhando. Ontem foram 20 minutos, depois de alguns dias já consegue 30… Essa sensação de evolução e autoeficácia é extremamente positiva para a saúde mental.”

Renaux acredita que é justamente essa combinação — simplicidade, autonomia e retorno emocional — que torna a corrida um terreno fértil para o bem-estar físico e psicológico.

Remédio para mente

Correr também é um exercício mental. Passar pelo desconforto dos primeiros minutos, lidar com o cansaço e seguir até o fim exige foco, paciência e resiliência — qualidades que se fortalecem a cada treino.

E é justamente essa dimensão psicológica da corrida que ajuda a aliviar a ansiedade: ao perceber que consegue superar pequenos desafios, o corredor reforça a sensação de controle e autoconfiança, aspectos muitas vezes abalados em quadros ansiosos.

Segundo a psicóloga do esporte Anna Vitória Renaux, estabelecer metas graduais e realistas é essencial para transformar a corrida em uma fonte de prazer — e não de frustração.

“Quando a pessoa define objetivos alcançáveis, ela vive o processo e não apenas o resultado. Correr com amigos, com o parceiro, com o cachorro… tudo isso é sobre a experiência. Essa forma de encarar o exercício ajuda a atravessar as fases mais difíceis do início e fortalece o sentimento de autoeficácia”, explica.

Para além dos efeitos químicos no cérebro, há um aspecto simbólico: cada treino concluído reforça disciplina, superação e senso de competência — pilares importantes na regulação emocional e na redução dos sintomas de ansiedade.

De acordo com Renaux, essa percepção de evolução constante — correr um pouco mais, sentir-se melhor, manter um compromisso consigo mesmo — funciona como um antídoto natural contra a sensação de descontrole que acompanha a ansiedade.

O professor Ricardo Mario Arida, da Unifesp, acrescenta que o benefício pode ser ainda maior quando a atividade é feita em grupo. “A socialização com outras pessoas — em grupos de corrida, academias ou treinos coletivos — ajuda a reduzir ainda mais os sintomas de ansiedade e depressão. Quem se exercita em ambientes com interação social tende a apresentar melhoras mais expressivas na saúde mental do que quem treina sozinho”, afirma.

Mas, como todo remédio, a corrida também requer dose certa. Renaux alerta que o excesso pode se tornar um problema quando a pessoa passa a negligenciar o sono, o convívio social ou o trabalho. “Se outras áreas da vida começam a encolher para caber o tanto que a corrida ocupa, é sinal de desequilíbrio. O ideal é que ela seja uma parte da rotina, não o centro dela.”

Fonte: G1

Compartilhe nas Redes Sociais