Brasil não deve sofrer com suspensão de exportações à China como em 2021; entenda
Especialistas ressaltam que o país asiático não está com o mesmo estoque de carne de dois anos atrás e que o Brasil segue como a melhor opção no mercado
Após o diagnóstico da doença conhecida como “mal da vaca louca” em um animal no Pará, a suspensão das negociações de carne bovina entre Brasil e China volta a ser uma realidade, assim como aconteceu em 2021.
Isso por causa de um protocolo firmado em 2015 entre os dois países, que impõe que as exportações bovinas brasileiras ao país asiático serão suspensas sempre que houver suspeitas de doenças no rebanho enviado. No entanto, diferentemente de dois anos atrás, quando houve um embargo chinês de mais de 100 dias, a situação atual é mais favorável à economia brasileira, que não deve sofrer “tanto” como naquela época, segundo especialistas consultados pela CNN.
“Nós temos nuances diferentes ao comparar a situação atual com aquele período. Em 2021, a China estava com o estoque cheio, pois nos anos anteriores tinha realizado compras recordes de gado. Mas dessa vez, no último trimestre de 2022, o país não comprou tanta carne e, portanto, não pode ser dar ao luxo de manter um embargo tão longo”, explicou Fernando Iglesias, diretor da consultoria Safras & Mercado.
Além disso, o especialista destaca que o Brasil é visto como uma opção mais atrativa frente a seus pares no mercado internacional. Isso porque o país tem maior capacidade de atender a demanda chinesa que os concorrentes.
“A situação do Brasil é favorável, pois os outros países estão vivendo um encolhimento do rebanho, o oposto do que ocorre por aqui. A exceção dos concorrentes é a Austrália, que também tem aumentado a produção, mas ainda conta com números bem mais baixos que os nossos”, pontuou.
O economista explicou que em 2021 a indústria teve que se readequar devido à paralisação nas negociações de mais de 3 meses. “Tivemos que guardar o produto em câmeras frias, em frigoríficos. O estoque ficou no limite, e estoque é custo. Tudo isso vai impactando os preços no mercado”, argumentou.
O ministro da Agricultura, Carlos Favaro, afirmou à CNN que as exportações de carne para a China seriam suspensas a partir desta quinta-feira (23), após identificação da doença.
Apesar do diagnóstico, especialistas ressaltam se tratar de um caso isolado, em um único animal do rebanho e com características que apontam não haver risco de contaminação, como o fato de ser um macho de 9 anos – considerado velho para gado – criado em pasto, sem ração.
Segundo os especialistas, trata-se de uma situação completamente diferente da que ocorreu no Reino Unido em 1986, no primeiro caso já registrado em bovinos da doença.
“A suspensão automática das exportações é uma falha do nosso acordo comercial com a China, pois o mercado fica muito volátil mesmo em uma situação controlada”, argumentou Lygia Pimentel, CEO da Agrifatto.
Segundo ela, o acordo poderia ter sido mais vantajoso ao Brasil quando foi firmado em 2015, pois detém muitos critérios exigidos pelos chineses que acabam sendo prejudiciais ao país.
“Em 2021, enviamos todos os laudos e provas e ficamos esperando uma posição, que não vinha. Foram 103 dias aguardando um comunicado do governo chinês, sabendo que cada dia que passava sem negociações éramos prejudicados”, disse.
A Agrifatto estima que a cada mês que as exportações são paralisadas, há um impacto ao Brasil de cerca de US$ 500 milhões de dólares, dado que atualmente em torno de 520 animais são negociados com a China no período.
A suspensão de exportações de carne para a China pode causar prejuízo de US$ 500 milhões ao setor, calcula a Associação de Exportadores Brasileiros (AEB). A previsão da entidade considera que a interrupção dure um mês.
O valor é considerável, mas bem menor do que o prejuízo de mais de US$ 1 bilhão com a suspensão das exportações durante mais de três meses, entre setembro e dezembro de 2021.
Queda nos preços
Com as exportações paralisadas, os gados acabam ficando no Brasil e podem ser direcionados para consumo interno. Devido à oferta maior na praça, o produtor tem margem para vender o rebanho por um preço menor durante o período. Isso foi o que aconteceu em 2021.
“Em 2021, os preços ao produtor caíram 11% em outubro, a maior queda desde a redemocratização. O produtor que teve que vender nesta época acabou com um prejuízo enorme”, afirmou Lygia Pimentel.
A queda nos preços já começa a ser sentida nesta quinta-feira (23). Um levantamento feito esta manhã pela consultoria Safras & Mercado mostra que o preço do boi gordo caiu nas regiões Norte e Centro-oeste.
Em Rondônia, a arrouba do boi passou de R$ 235 para R$ 220, enquanto no Pará foi de R$ 230 para R$ 220, e no Mato Grosso de R$ 250 a R$ 240, de acordo com a consultoria.
O excedente altera o preço no mercado doméstico, mas nem todos os setores da cadeia produtiva sentem a mudança, conforme explicou Lygia Pimentel.
“O preço do boi cai para o frigorífico e o atacado, mas o varejo não acompanha. Isso porque existe um delay que faz com que a carne vendida não seja tão volátil. Portanto, pode haver uma promoção ou outra pontual na carne no mercado, mas não é algo esperado neste momento”, declarou.
Existe outro fator que pode fazer com que o efeito de queda do preço interno, porém, não ocorra necessariamente.
Isso porque, além de o país ter a possibilidade de redistribuir a oferta, o pecuarista pode optar por manter o gado um pouco mais no pasto, considerando que ainda não chegou o inverno, segundo Andre Braz, economista da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Fonte: CNN Brasil