Aluna de doutorado da Unesp recebe prêmio internacional por pesquisa com IA para novos tratamentos contra o câncer de pulmão
A médica Maria Raquel Gomes Fernandes, que cursa doutorado no Instituto de Biociências da Unesp em Botucatu (IBB), foi um dos dez pesquisadores escolhidos para receber o Prêmio de Educação para Países em Desenvolvimento, concedido pela Associação Internacional do Câncer de Pulmão (IASLC, na sigla em inglês).
Como parte da premiação, a brasileira e os demais nove contemplados receberam hospedagem e ajuda de custo para participar da Conferência Mundial de Câncer de Pulmão de 2025, realizada entre 6 e 9 de setembro em Barcelona, na Espanha. Lá, puderam apresentar seus trabalhos a especialistas do mundo todo.
Em seu doutorado no Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas (Genética), Fernandes está usando inteligência artificial para identificar fármacos com potencial para o tratamento do câncer metastático de pulmão. A ideia é descobrir se medicamentos que já estão disponíveis no mercado, destinados ao tratamento de outras moléstias, podem ser reaproveitados para combater os tumores.
Fernandes e os demais candidatos se inscreveram por meio de abstracts, textos curtos que sintetizam os métodos e conclusões de uma pesquisa e aparecem no começo de todo artigo científico. O resumo de Fernandes tratava apenas da primeira parte dos resultados obtidos em seu doutorado. O trabalho completo ainda não foi publicado em periódicos especializados da área.
De acordo com a IASLC, “o prêmio dá aos autores de abstracts bem avaliados de nações em desenvolvimento a oportunidade de crescer profissionalmente comparecendo a sessões educacionais e desenvolvendo relacionamentos profissionais com colegas de todo o mundo”.
Para Fernandes, “foi um privilégio estar lá representando o Brasil”. “Às vezes, a gente pensa que o que a gente faz não é bom o suficiente, ou não é relevante. E, na verdade, a pesquisa brasileira é de qualidade, ela é muito boa”, diz. Os demais ganhadores deste ano, na categoria de Fernandes, vêm da Jordânia, da China e do próprio Brasil: Gabriela Carmona de Sousa, do Centro Universitário São Camilo, também foi a Barcelona.
Além de seu orientador, Robson Francisco Carvalho, do Instituto de Biociências de Botucatu (IBB), Fernandes tem dois coorientadores: Patrícia Pintor dos Reis, do Programa de Pós-Graduação em Cirurgia e Medicina Translacional da Faculdade de Medicina da Unesp em Botucatu (FMB), e Rafael Simões, do Departamento de Bioprocessos e Biotecnologia da Faculdade de Ciências Agronômicas (FCA). Graças ao auxílio de docentes com diferentes especialidades, Fernandes conseguiu combinar técnicas e conhecimentos de áreas que normalmente não se comunicariam. “É essencial a multidisciplinaridade para que a pesquisa esteja na fronteira do conhecimento. É um trabalho em grupo”, diz a doutoranda.
O reposicionamento de fármacos
Uma vez mapeadas as diferenças entre a expressão dos genes nas células saudáveis e nas células malignas, é hora de vasculhar a ampla biblioteca de remédios que já existem em busca de algum com potencial para conter o tumor. Nem sempre as escolhas são óbvias da perspectiva de um não especialista: drogas tão variadas quanto antidepressivos, imunossupressores e moduladores hormonais são candidatas. O encaixe bioquímico ideal pode vir de onde menos se espera.
É aí que entra a inteligência artificial. O software usado por Fernandes é capaz de cruzar as informações sobre a expressão dos genes em células malignas com bancos de dados contendo detalhes sobre as propriedades de milhares de medicamentos — o que permite fazer uma pré-seleção rápida e eficaz de drogas com potencial para reposicionamento. A IA é um filtro, que reduz um universo de possibilidades a um número de medicamentos menor e mais fácil de lidar.
“Existem diferentes modos pelos quais esses medicamentos podem atuar”, explica Patrícia Pintor dos Reis, uma das coorientadoras de Fernandes em seu doutorado. “Por exemplo, podem se ligar a receptores na superfície das células tumorais, inibindo a sinalização de divisão celular descontrolada e, assim, freando a proliferação e o crescimento tumoral. Também podem atuar ativando mecanismos de morte celular, por meio da indução de danos ao DNA das células tumorais.”
Outras estratégias possíveis são bloquear o suprimento nutricional do tumor, inibindo a formação de vasos sanguíneos responsáveis por alimentá-lo, ou seguir pela via imunoterápica, em que o objetivo é auxiliar o sistema imunológico humano a encontrar e destruir as células malignas em vez de atacá-las diretamente.
A diferença entre o reposicionamento de medicamentos e uso off label é que o primeiro caso exige repetir algumas fases dos testes clínicos para verificar a eficácia do produto em sua nova aplicação, enquanto o segundo é uma iniciativa informal: parte da observação prática, no dia-a-dia dos médicos. Medicamentos reposicionados precisam da autorização da Anvisa para serem comercializados em suas novas funções. O próximo passo de Fernandes será mergulhar na segunda parte de seu doutorado, que usará o mesmo método para encontrar medicamentos com potencial para o tratamento do câncer de pâncreas metastático.
Fonte: Jornal da Unesp










