Projeto da FMB busca aprimorar assistência de saúde a crianças com Down em Botucatu
A síndrome de Down é uma condição genética que se caracteriza por alterações no cromossomo 21, e, entre outros efeitos, afeta o desenvolvimento do indivíduo desde os seus primeiros dias. Por isso, a recomendação médica é que estas pessoas possam receber atenção e cuidados específicos ao longo de sua vida. Nem sempre, porém, os profissionais das redes pública e privada de saúde dispõem do conhecimento e do treinamento necessários para oferecer este tipo de acompanhamento. Agora, um novo projeto coordenado por docentes da Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB) vai oferecer esta preparação aos profissionais de saúde do município de Botucatu.
O lançamento do projeto O Cuidado à saúde da criança com Síndrome de Down na atenção primária à saúde em Botucatu-SP: protocolo e fluxograma de diagnóstico e assistência integral no Sistema Único de Saúde” ocorreu no último dia 21 de agosto, ocorreu na Sala da Congregação da Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB). Durante o encontro, cerca de cem agentes de saúde comunitários do município receberam formação para identificar e mapear todas as crianças com síndrome de Down que residem em Botucatu.
O objetivo é que, a partir do levantamento desta população, os especialistas da Unesp, em parceria com profissionais da saúde do município, possam elaborar um protocolo que dê uniformidade no atendimento a esses pacientes por parte das equipes da Atenção Primária à Saúde (APS), principal porta de entrada do Sistema Único de Saúde (SUS).
O projeto, que tem duração prevista de três anos, tem como parceira a Secretaria de Saúde de Botucatu, e conta com o apoio financeiro da Fapesp, no âmbito do Programa de Pesquisa em Políticas Públicas, voltado para o fomento de pesquisas que atendam a demandas sociais concretas e promovam aprimoramento de políticas públicas. A agência de fomento paulista irá investir R$ 187 mil, além de financiar bolsas para pesquisadores, estudantes, pós-graduandos e outros profissionais com bolsas de treinamento técnico como analistas de desenvolvimento de sistemas (ADS), vinculados ao projeto.
A docente da FMB Cátia Regina Branco da Fonseca responde pela coordenação do projeto. Ela diz que a ausência de um levantamento do número total de pessoas com a síndrome em Botucatu na verdade espelha uma carência nacional de informações detalhadas sobre essa população. “Daí a importância de iniciarmos o projeto oferecendo uma capacitação aos agentes de saúde. Eles serão fundamentais para o levantamento, indo aos domicílios para fazer o contato direto com as famílias”, explica ela. Na atividade realizada na FMB, os agentes de saúde também iniciaram um curso com informações gerais sobre síndrome de Down e atenção integral à saúde dessas crianças.
“Comparo os objetivos que queremos alcançar com a síndrome de Down com o cuidado que é oferecido às gestantes. Para elas, existem regras e protocolos de assistência, que estabelecem uma série de exames em determinados períodos da gestação como acompanhamento de rotina. Isso é necessário porque sabemos que se trata de um período em que é preciso monitorar várias condições, a fim de evitar complicações para a mãe e o bebê. O mesmo vale para a criança com síndrome de Down”, explica a coordenadora, que também é professora associada do Departamento de Pediatria da FMB. “A criança pode apresentar várias alterações desde o seu nascimento, como malformações. Ou desenvolvê-las depois, durante a infância, a adolescência e até mesmo a vida adulta. Por isso, é preciso que essa pessoa seja “monitorada” o tempo todo”, diz Cátia, que atua há 13 anos à frente do Serviço de Pediatria Genética nos ambulatórios do Hospital das Clínicas de Botucatu.
Cátia e sua equipe passaram a pesquisar diferentes aspectos e temas envolvendo a saúde das crianças com síndrome de Down atendidas no Hospital das Clínicas de Botucatu. Um desses trabalhos, publicado na revista Medicina, investigou as principais causas de hospitalização desse grupo no Hospital das Clínicas de Botucatu a partir de dados obtidos ao longo de nove anos (de 2013 a 2021) envolvendo 80 crianças e um total de 283 internações.
De acordo com os dados apontados no levantamento, a principal causa de hospitalização dessas crianças foram as doenças respiratórias (99 casos), que representaram 35% das intenções, sendo a pneumonia responsável por metade delas. Em 82 casos, as hospitalizações demandaram ainda a internação em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI), o que totalizou 62 crianças. Destas, 13 foram a óbito (1,62%), um número que Cátia Fonseca, que também assina o artigo, considera dentro do esperado. Na visão da médica pediatra, entretanto, o grupo ainda pretende realizar novos estudos para melhor investigação e elaboração de ações futuras. “O que percebemos a partir desse artigo é que os problemas cardíacos, juntamente com as pneumonias, foram os principais responsáveis pelas internações em UTI. E essas crianças ficaram internadas por um grande período de tempo, decorrente provavelmente de alterações em sua imunidade, que é mais baixa quando comparada à de crianças sem a síndrome, além de apresentarem outras disfunções, como as da tireoide”, diz.
O estudo realizado pelos pesquisadores da FMB-Unesp teve entre seus objetivos identificar lacunas no atendimento às crianças com a síndrome, com a perspectiva de trazer orientações para aprimorar o serviço e assim prevenir a necessidade de internações. “Concluímos que deve haver mais investimento e planejamento das ações e na atenção em saúde antes que essa criança seja internada. Isso pode fazer toda a diferença para evitar que ela enfrente situações em que uma internação seja necessária. Ou, caso isso aconteça, para que não fique tanto tempo hospitalizada, e que não ocorra o óbito”, reforça a coordenadora.
O próximo passo na pesquisa irá examinar as internações dessas crianças de forma mais detalhada e individual. Por meio dos dados registrados nos prontuários guardados no Hospital de Clínicas, será possível obter informações mais específicas sobre os diagnósticos e as causas dos óbitos, por exemplo. Outra possibilidade para os próximos trabalhos é a elaboração de um sistema de pontuação de risco, um escore, para identificar crianças com maior probabilidade de óbito na UTI, o que poderia auxiliar na assistência a esse grupo.
Alguns elementos que merecem uma atenção especial das equipes de atenção primária à saúde e que podem colaborar para evitar adoecimento e hospitalizações dizem respeito ao estado nutricional da criança. Isso envolve desde o estímulo ao aleitamento materno até uma dieta adequada em nutrientes a partir dos alimentos que compõem a sua dieta, principalmente enfocando alimentos ricos em fibras e micronutrientes como as vitaminas. Na mesma linha, é importante o cumprimento do cronograma de vacinação, como os imunizantes contra a Covid-19 ou a gripe. “São vacinas que estão disponíveis na rede pública. É preciso que fique muito claro a importância delas para essas crianças. Elas precisam receber todas, e sem atraso”, diz Cátia. Ao mesmo tempo, é necessário assegurar um acompanhamento de possíveis problemas relacionados ao coração, à tireoide e ao sistema imunológico nesta população.
Tendo em vista todas as particularidades que estão envolvidas no atendimento a uma criança com síndrome de Down, a tarefa de planejar e implantar uma assistência que seja clinicamente abrangente, multiprofissional e até mesmo intersetorial, e que alcance toda a população alvo residente no município de Botucatu, é vista como um desafio. Entretanto, trabalhos anteriores produzidos pelos pesquisadores da FMB sob a liderança de Cátia Fonseca mostram que a cidade é dotada de uma estrutura robusta de saúde. O município dispõe de unidades de saúde e de profissionais de diferentes especialidades, como médicos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos, além de um hospital referência que é o próprio Hospital das Clínicas. “O que o município não possui é essa estrutura disponível, com fluxograma e protocolo, para melhor atender a criança com síndrome de Down, e profissionais de saúde treinados para terem esse olhar”, diz a docente.
A expectativa é que, ao final da pesquisa elaborada em parceria com a Secretaria municipal de saúde, seja possível adaptar o protocolo para outros grupos de pacientes, como os autistas, expandindo assim o potencial do projeto. E a experiência em Botucatu pode servir como modelo para a implementação das mesmas diretrizes em outros municípios. “A ideia é que, a partir dessa experiência, a gente consiga mostrar para a região, para o estado ou mesmo para o país que esse atendimento uniformizado é viável, diante de tudo que está disponível no SUS. Mas, para isso, é preciso criar uma estrutura e fazer acontecer”, diz Cátia.
Fonte: Marcos do Amaral Jorge / FMB Unesp